domingo, 13 de abril de 2014

Love Letters

Metronomy                                                                                9/10
Because Music, 2014





"Agradáveis surpresas"


   Que será de nós quando a surpresa se acabar. A surpresa de descobrir um artista por mero acaso e de se maravilhar com a sua música. A surpresa de ouvir uma faixa pela milésima vez e encontrar aquele detalhe que muda tudo. A surpresa de odiar um álbum até ao dia em que, de repente, deixamos de odiá-lo. É algo que tudo nos dá e que ninguém nos pode tirar. Quero dizer com tudo isto: indo eu ouvir este álbum à espera de pouco ou menos, dos incontáveis sentimentos que me provocou, só um se poderia destacar dos restantes - a surpresa.  

   O quarto álbum dos Metronomy é, muito sucintamente, brilhante a todos os níveis. Mal comparada, a experiência de ouvir este álbum seria o equivalente a encontrar aquela música da nossa infância de que tanto gostávamos mas com a qual não tinhamos contacto há anos. De tal forma aborda-nos "Love Letters": o disco remete-nos para uma realidade abstracta onde, mesmo não sendo tudo felicidade, podemos encontrar imagens, momentos e emoções com os quais nos identificamos e que tornamos nossos. O nível de sentimento que este álbum transporta consigo é por vezes verdadeiramente inacreditável, fruto de uma produção fantástica, entrega comovente e letras inusitadamente tocantes.

   Líricamente, "Love Letters" é uma criança, à qual nos afeiçoamos instantaneamente: os versos dos Metronomy atingem-nos com um carinho e uma doçura irresistíveis, e a sua propositada infantilidade tanto mais contribui para o seu tão curioso apelo. Apesar de tratar temas como o amor, o sofrimento, a atracção e a angústia, este LP é desprovido da malícia e da promiscuidade da qual tantos outros álbuns usam e abusam. "Love Letters" é inocente ao mais puro nível, e é a inocência que utiliza como arma para nos render. "I've gotta beam my message to you/Straight from the satellite/'Cause girl we're meant to be together", canta Mount na abertura de "The Upsetter", onde mais à frente se ouvem desabafos confusos de "You're really giving me a hard time tonight". A faixa-título remete para o amor de escola primária ("Love Letters' all I see/On every day I read/The bits of yellow paper/Addressed from you to me"), enquanto que a agradável "Month of Sundays" assiste à promessa de "I'll take you away from this horrible town". Simples, sincero e absolutamente encantador.

   Já melodicamente e a nível instrumental, torna-se difícil encontrar falhas a apontar a este LP. "Love Letters" tende a ocupar pouco espaço, evitando sobrecarregar o ouvinte com timbres e sons desnecessários. Mas os seus tons são esteticamente irresistíveis e sempre maravilhosamente orquestrados, estabelecendo um ambiente surpreendentemente acolhedor. É o caso da segunda faixa, "I'm Aquarius", onde um leve resquício de sintetizador é acompanhado por uma discreta batida electrónica e incisivos vocais de apoio; ou de "Reservoir", uma das melhores músicas deste disco, que carrega teclas dançantes, um belíssima entrega vocal e um sentimento enorme. "Never Wanted" estabelece um estado de espírito com precisão assoberbante, unindo cânticos de "Never wanted, never needed" e "Does it get better?" a uma guitarra solitária, e "Month of Sundays", talvez a mais convencional canção de rock aqui presente, viaja por guitarras entrelaçadas e arpeggios ondulantes, num ânimo ao mesmo tempo intenso e descontraído.

   Não obstante, os Metronomy trazem-nos um álbum pop disposto da forma mais esquizofrénica possível: as suas agradáveis melodias parecem estar enclausuradas sob uma estrutura iminentemente estranha aos nossos ouvidos, não deixando de soar, apesar de tudo, absolutamente fantásticas. Veja-se "Monstrous", que com seus arranjos alienantes ainda é capaz de agregar em si um ânimo verdadeiramente horripilante, ou "Boy Racers", uma faixa instrumental que, com seus quatro minutos e vinte, possui tanto de peculiar quanto de emocionante. A acrescentar, a banda emprega aqui recursos que poucas vezes se encontram em lançamentos do género, e que dão uma nova dinâmica à musica dos Metronomy: o elementar mas banhado em sentimento solo de guitarra no final de "The Upsetter"; a prolongada introdução de "Love Letters", construída em texturas de belíssimos sopros, que mais tarde retornam para encerrar a faixa; o invulgar interlúdio de "The Most Immaculate Haircut" ou os ascendentes sintetizadores espalhados por "Call Me".

   "Love Letters" é de facto um álbum como poucos são. O seu inocente deslumbre é prova viva de que a música não deve ser filosófica, contemplativa ou tecnicamente complexa para ser apreciável. De um sentimento incrível, o disco pega em todas as melhores qualidades dos Metronomy e combina-as em dez músicas que vão ficando cada vez melhor com o tempo. Em toda a sua singeleza, "Love Letters" é uma surpresa das mais agradáveis.

sábado, 22 de março de 2014

Blood Red Shoes

Blood Red Shoes                                                                        8/10
Jazz Life Records, 2014





"Uma afirmação de pura energia"


   Há quem diga que o rock anda morto. Não de qualquer tipo, no entanto: aquele rock sujo, excessivamente distorcido, atrevido, que outrora incomodava vizinhos e levava multidões ao delírio com seus riffs esmagadores e potência soberba. Há quem diga que já deixa saudades. Que os ronronares de bateria foram substituídos por "beats" electrónicos, as guitarras vibrantes por sintetizadores flácidos, e o espírito de revolta pela ganância comercial. Que os tempos de boa música já vão longe. A estes, digo: é graças a bandas como os Blood Red Shoes que tudo o que disse acima é absolutamente falso. 

   "Blood Red Shoes" não é perfeito, mas combina de forma brilhante o minimalismo de estúdio com uma atitude implacável para a criação de um som pesado, divertido e consistentemente apreciável. O quarto álbum dos britânicos Laura-Mary Carter e Steven Ansell não deixa de ser, apesar de tudo, bastante nostálgico: em muitos momentos lembra o som despojado do punk e do rock dos anos 70, e o seu tom é claramente emprestado do movimento "garage rock" do início dos anos 2000. Mas este permanece sempre fiel à personalidade dos Blood Red Shoes, levando o cunho marcante da banda não obstante os caminhos que percorre. Por riffs memoráveis, batidas incríveis e refrões arrebatadores, a banda traz-nos doze músicas de grande qualidade, raramente perdendo o interesse dos seus ouvintes.

  Um dos maiores trunfos de "Blood Red Shoes" está, sem dúvida, nas suas guitarras. O seu timbre é fantástico, sempre tão vivo e marcante, e a sua distorção rasgante proporciona momentos de pura êxtase ao longo deste disco. Como na primeira faixa, "Welcome Home", um feroz aglomerado de riffs de guitarra que abre o disco de forma espectacular. "An Animal" e "Don't Get Caught" são outros grandes destaques, talvez os maiores de todo este LP. Dançando por métricas conflituantes, são dotadas elas próprias de linhas de guitarra extraordinárias, demonstrando muito a ambição trazida por este álbum, não obstante as suas tão óbvias influências do "garage" e do "post-punk revival". Estas e outras, como "Everything All at Once", "The Perfect Mess" e "Grey Smoke" conferem ao álbum a potência e vivacidade de que se utiliza para cativar instantaneamente.

   Músicas como "Far Away" e "Stranger", por exemplo, abornam-nos de forma diferente: os tons distorcidos de guitarra estã lá, mas não é através deles que os Blood Red Shoes interagem com o ouvinte. Não podendo ser legitimamente rotuladas de "comerciais", estas faixas gozam de uma ênfase maior no liricismo, melodia e musicalidade, procurando demonstrar de forma distinta as capacidades desta banda. Contudo, fica o sentimento de que estas "jogadas pelo seguro", se quiserem, não são tão bem sucedidas como aquelas que revelam o lado mais agressivo e rasgante da dupla. É o que ocorre também com "Cigarettes In The Dark", o mais próximo de uma balada que se encontra por aqui, e a encerradora "Tightwire" que, regendo-se pela melodia cíclica do seu refrão, acaba por se revelar demasiado repetitivo. Mesmo não sendo um aspecto completamente negativo, falhas pontuais como estas são o que separam este álbum do verdadeiro primor.

   A nível instrumental, a par da já referida primazia das guitarras, a bateria é exemplar, explodindo em frenesins de tambores e pratos com o melhor sentido de oportunidade. O baixo, no entanto, acompanha as guitarras passo a passo, raramente se individualizando, e deixando um pouco a desejar no que diz respeito aos caminhos que poderia seguir. As componentes electrónicas e sintetizadores raramente assumem a posição de protagonista, mas são quase sempre estrategicamente dispostos e disfrutam de uma boa congruência com a restante instrumentação. O conteúdo lírico do disco complementa bem o seu tom geral: "An Animal" assiste a gritos de "Coiled like a spring I'm ready to explode/Yeah I'm an animal that can´t be controlled", enquanto que "Everything All At Once" traz a impaciência de "I'm not waiting for a future that may never come", e "Far Away" o desespero de "We could just go/Far away/Out of sight". Os Blood Red Shoes sabem bem o que querem, e não estão dispostos a esperar para o ter.

   "Blood Red Shoes" não é intelectual, filosófico, profundo ou tecnicamente complexo. Mas é uma completa afirmação de energia, garra e vivacidade, levada a cabo por dois músicos com uma entrega louvável. O álbum pode não ser o mais competente de Carter e Ansell, mas deixa estabelecido que os Blood Red Shoes são um duo a ter em atenção no futuro. Há quem diga que o rock anda morto. Eu penso que não.

domingo, 9 de março de 2014

G I R L

Pharrell Williams                                                                            6/10
Columbia, 2014





"Uma queda a pique"


   "2013 foi o ano de Pharrell", lê-se na crítica a este mesmo álbum da Rolling Stone. Disto, duvido que muitos discordem: se houve nome que passou por todas as bocas neste passado ano (exceptuando casos mais controversos), foi o do cantor, compositor e produtor Pharrell Williams. Quem ainda não o conhecia pelo seu trabalho com N.E.R.D., The Neptunes ou pelo seu primeiro álbum a solo, "In My Mind", certamente passou a estar familiarizado com o seu nome, seja pela sua excelente colaboração com os Daft Punk em "Get Lucky" e "Lose Yourself to Dance", seja pela sua participação numa das músicas mais mediatizadas do ano, "Blurred Lines", de Robin Thicke. A acrescer a isto, mencione-se ainda o lançamento de "Happy", primeiro single de "G I R L", que poderia muito bem ter ganho o Oscar na categoria "Melhor Canção Original". 2014 prometia, então, na medida em que seria este o ano em que receberíamos o tão aguardado segundo disco de um Pharrell na sua melhor forma.

   E de facto, "G I R L" é um álbum que demonstra um talento imenso, reiterando as impressionantes capacidades rítmicas e melódicas de Pharrell Williams. Num tom alegre, jocoso e quase sempre de intensa conotação sexual, o músico traz-nos batidas incrivelmente dançáveis e um "groove" sedutor que raramente perde a sua intensidade ao longo deste álbum. O que não invalida, no entanto, o facto deste disco ter ficado ligeiramente aquém das expectativas formadas em torno do "nome de 2013". Começando bastante forte e a um ritmo alucinante, "G I R L" segue depois para um aborrecido conjunto de esquecíveis tentativas de música pop. Aliás, as faixas deste LP parecem quase conscientemente divididas: cinco excelentes esforços, seguidos de cinco despejáveis exercícios. É um facto estabelecido que a inconstância de um álbum dificulta bastante a apreciação geral deste, mas uma queda a pique como a de "G I R L" é simplesmente inaceitável.

   Apesar disto, como disse, o álbum possui excelentes momentos - que, como disse, situam-se quase universalmente na primeira metade deste. "Marilyn Monroe" abre com um lindíssimo quarteto de cordas não totalmente estranho,  cujo subtil toque se repercute pelo resto da música. "Brand New", que conta com a participação de Justin Timberlake, é levada ao colo por um hipnótico "motif" de sopros que, apesar de parecer algo abusivo, é extremamente bem aproveitado, dando uma fluidez bastante característica à música. "Hunter", uma das melhores faixas deste conjunto, é algo prejudicada pelos exagerados agudos de Pharrell, mas as suas imponentes linhas de baixo e guitarra, que muito pedem emprestado do "funk", soam maravilhosamente bem. O refrão de "Gush" é uma brilhante instância pop, liderada por versos de intenso furor e o desconcerto de quem admite "I don't know what's come over me". E "Happy", porventura o melhor momento de todo o disco, emana uma alegria incrivelmente radiante e instantaneamente contagiante, como o próprio título postula. A faixa é extremamente bem sucedida pelo seu minimalismo: com uma instrumentação reduzida, constrói-se em vibrantes paredes de vocais de apoio, por cima dos quais se impõe a voz de Williams, que aqui assume um tom particularmente cativante.

   A segunda parte deste LP, no entanto, traz-nos um Pharrell bastante menos inspirado. Procurando diminuir um pouco o ritmo e abordar-nos de forma mais contida, "G I R L" acaba por perder algo da espontaneidade e do sentimento das primeiras faixas. Não é que estas músicas sejam, em si, más: não me parece que haja aqui muito que possa ser atacado como sendo realmente desagradável de se ouvir. O problema aqui é mesmo da ordem da mediocridade. Não há nada de particularmente interessante a retirar destas faixas, acabando estas por incorrer muito na generalidade da música pop. "Come Get It Bae", com a desmedida colaboração de Miley Cyrus, e "Lost Queen", construída em infelizes murmúrios, são apostas perdidas. "Gust of Wind" e "It Girl" constituem o expoente máximo do genérico, e o mínimo do memorável. E "Know Who You Are", que até usufruiria de grande potencial, é cantada em dueto com  Alicia Keys, que nada contribui para a sua qualidade (o pedido de "I want every woman to make a pledge with me" é quase embaraçoso).

   Impõe-se um sentimento de pura frustração. Por mais que queira gostar do novo álbum de Pharrell Williams, a verdade é que as suas falhas impedem-no de se elevar a uma categoria superior. Por cada componente digna do mais eufórico louvor em "G I R L", deparo-me com uma imperfeição de igual ou maior proporção: a sua rica e belíssima instrumentação contrasta com as suas letras vulgares, obscenas e por vezes até misóginas; o seu tom geral, coerente e que goza de um tema geral, embate-se na inconsistência da entrega de Pharrell Williams nos diferentes momentos; a atitude e forte personalidade de algumas faixas é compensada pela pobreza de espírito de outras. Valeu a excelente abertura do disco, cujas qualidades pesaram mais que os defeitos posteriores, mas feitas as contas, "G I R L" fica mesmo pelo moderadamente bom.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Midnight

Coldplay                                                                                       4.5/5
Parlophone, 2014





   Deixem-me que vos conte uma pequena história, que ocorreu há cerca de três horas. Cheguei a casa, satisfeito por ter sido publicado o meu primeiro artigo no Espalha Factos, e qual não foi a minha surpresa quando, ao ligar o computador, deparei-me com a notícia de que os Coldplay haviam acabado de lançar uma nova faixa, sem qualquer aviso prévio ou informação adicional. Ora, apesar de ser forçado a admitir que em tempos já apreciei Coldplay, a verdade é que há muito tempo não dava atenção à banda de Chris Martin. Mais especificamente, desde o seu terceiro álbum de originais, X&Y, que na minha opinião está bastante bom. Nada de espectacular, mas bom. A este seguiu-se o fraco "Viva La Vida or Death and All His Friends", e o impronunciável "Mylo Xyloto", que só escutei de passagem. Ouvir o mais novo single dos Coldplay não era, portanto, uma das minhas prioridades.

   Acontece, no entanto, que fui de facto escutar a dita "Midnight", e para colocar as coisas de forma simples, é a melhor música dos Coldplay que já ouvi. A instrumentação e arranjos empregues nos álbuns anteriores foram completamente descartados, juntamente com grande parte das tendências comerciais que impregnavam há anos as músicas deste grupo, para a criação de um som denso, profundo e extraordinariamente belo. Uma das mais marcantes características deste novo single é o seu carácter progressivo: "Midnight" constrói-se peça por peça, em encantadores tons de guitarra, sintetizador e sopros que muito fazem lembrar o mais recente trabalho das Warpaint. E esta referência serve perfeitamente para ilustrar a radical mudança que os Coldplay demonstram nesta faixa, que tão pouco tem de "Parachutes" quanto de "Mylo Xyloto". Os timbres, sempre tão limpos e abertos, são divinais, tal como a ligeira reverberação que marca presença ao longo de toda a faixa, mas o verdadeiro protagonismo pertence à voz. Chris Martin impressiona aqui como nunca antes, por versos suspirados e agudos à medida dispostos na forma de uma harmonia vocal absolutamente mesmerizante. 

   Se tenho algo a criticar em relação a "Midnight", é a sua ligeiramente excessiva produção, que por vezes amortece o som, prejudicando um pouco a experiência auditiva da música. De resto, parece-me que esta faixa cairá mal a alguns dos fãs mais dedicados da banda, que decerto estranharão a sua tão peculiar forma e renovado estilo. Não obstante, "Midnight" é feito do material com que se concretizam grandes obras: melodias cativantes, atmosfera envolvente e atitude louvável. Eu, que nunca pensava atribuir uma nota tão alta a esta banda, dou o braço a torcer - nunca os Coldplay estiveram melhor. 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Motivational Jumpsuit

Guided by Voices                                                                                2/10
Guided by Voices Inc, 2014





"Quantidade por qualidade"


   Apesar de não conhecer muita coisa destes Guided by Voices, o nome não me era completamente estranho, e confesso que sempre tive alguma curiosidade pela tão prolífica banda de Robert Pollard. Eis que, ao saber do lançamento de "Motivational Jumpsuit", decidi dar uma oportunidade a este grupo, mesmo que tudo me indicasse que sairia desapontado. E daí - pensei - ser este o vigésimo álbum da carreira dos Guided by Voices, e o quinto em apenas dois anos? Muitos já lançaram mais material, e poderia ser que estivéssemos perante alguns dos mais activos e talentosos músicos da nossa era. E daí que o disco tenha 20 músicas, muitas delas de minuto e meio e nenhuma que ultrapasse muito os três minutos? O excesso de material nem sempre prejudica o produto final, e não é preciso mais de dois minutos para congregar uma música de qualidade, como já foi demonstrado das mais variadas formas.

   A diferença, no entanto, entre as três músicas que hiperliguei acima e a grande maioria das faixas aqui presentes é que as primeiras, em detrimento das segundas, deixam transparecer, em maior ou menor grau, densidade, planeamento, em suma - dedicação. "Motivational Jumpsuit" é uma triste tentativa que repele a denominação de "álbum", repleta de meias-ideias, material mal trabalhado e uma atitude ridiculamente desinteressada. Aliás, não conhecendo a banda, custou-me a acreditar que esta miséria de disco é-nos apresentado por uma banda de veteranos, que já leva duas dezenas de trabalhos às costas.

   Ouvir este álbum, faixa por faixa, é uma experiência que possui tanto de engraçado quanto de desolador. Vocais desafinados, ritmos fora de tempo, melodias execráveis, timbres horrorosos, enfim - tudo o que torna um álbum péssimo pode ser encontrado em "Motivational Jumpsuit". Não pensem que me refiro, no entanto, ao seu estilo lo-fi. Muito pelo contrário: admiro bastante a forma como os Guided by Voices buscam um som sujo, despojado, desprovido de efeitos de estúdio e mantido o mais simples possível. O problema aqui é que, apesar de não totalmente inférteis, as ideias de Pollard são manifestamente incompletas e insuficientemente exploradas pela banda, resultando num conjunto de fragmentos musicais aleatoriamente dispostos, que nada têm a ver uns com os outros e que são quase instantaneamente esquecíveis.

   Isto culmina num produto musical quase desagradável de se ouvir, revelando-se difícil percorrer as desmedidas melodias de faixas como "Littlest League Possible", "A Bird With No Name" e "Go Without Packing", a energúmena falta de entusiasmo de "Child Activist" e os abomináveis arranjos de "Jupiter Spin". Em termos líricos, Pollard parece ter tropeçado sobre um admirável conjunto de temas sobre os quais ninguém quer ouvir: "Some things are big and/Some things are small", canta ele na décima-sétima faixa, do mesmo nome. Em "Littlest League Possible", Pollard afirma, com toda a confiança: "Gonna have a lot of fun/Gonna hit a home run/In the littlest league possible". Mais à frente, em "Writer's Bloc", profere, acompanhado de um desastroso riff de guitarra: "It's taking me... hours... days... weeks". Posso comentar sobre muitas coisas, mas recuso-me a discutir a qualidade de letras como estas.

   De facto, há muito tempo que não me deparava com um álbum tão mau quanto este. Ocasionais momentos que demonstram resquícios de alguma musicalidade, como "Save the Company" e "Bulletin Borders" não são páreo para o ridículo montante de material inútil que o álbum agrega. Este esforço mal é digno de um grupo de adolescentes que decidiu reunir-se depois da escola e tocar uns acordes, quanto mais de uma banda da dimensão e influência dos Guided by Voices. Robert Pollard pode bem ser um dos mais prolíficos compositores de sempre, mas oferece pouco em "Motivational Jumpsuit" que o defenda. Mas não se preocupem: o próximo álbum deste grupo sai já em Maio. Quanto à sua qualidade, tenho as minhas dúvidas.






domingo, 23 de fevereiro de 2014

BetterOffDEAD

Flatbush Zombies                                                                                8/10
Electric KoolAde Records, 2013





"Mente forte, corpo firme"


   O hip-hop é um estilo de música curioso. Confesso que, por muitos anos, tive um grande preconceito com este género, algo do qual não me orgulho minimamente. E até hoje em dia, não posso dizer que seja o estilo de música que mais acompanho ou aprecio, mas a verdade é que o rap possui um "algo" subjacente, que o torna muito mais que um mero conjunto de vocais disposto sobre uma batida electrónica. Os Flatbush Zombies, grupo de Brooklyn constituído por Eric "Arc" Elliott, Zombie Juice e Meechy Darko, vêm comprovar exactamente isso na sua segunda mixtape, agregando aí o espírito do movimento "Beast Coast" da costa leste americana. 

   "BetterOffDEAD" é um incrivelmente bem-sucedido esforço, constituindo nada mais, nada menos que 66 minutos de hip-hop agressivo, carismático, e directo: desde a charmosa introdução de "Amerikkkan Pie", somos instantâneamente envolvidos pelas inteligentes rimas e abrasivas batidas dos Zombies. Percebemos, no entanto, que este não é um álbum de hip hop comum, seja pelas impressionantes transições empregues de música para música, que incluem "voice-overs" e emuladores de rádio de todos os tipos, seja por recursos que normalmente não se vêem num disco deste género musical: a bateria proeminente em "Nephilim" e "MinePhuck", que substitui o "beat" de forma bastante convincente; os belissimamente executados vocais de apoio em "Palm Trees", que dão um toque especial à faixa; ou os vários tons de guitarra, piano e cordas dispostos às pinceladas do começo ao fim do disco. Cortesia da produção, que de facto faz um excelente trabalho não só na secção instrumental, mas também na diversidade de texturas, contrastando não raro uma sonoridade mais aberta e dinâmica com uma mistura mais abafada durante este álbum.

   No que diz respeito aos vocais, o grupo apresenta-se como raramente repreensível, tirando partido dos seus recursos e revertendo-os a seu favor: os vocais mais agudos e gritantes de Zombie Juice contrastam com os mais graves e roucos de Meechy Darko, uma mistura que impede a saturação da voz e age em seu benefício. Os seus versos são-nos entregues com uma garra extraordinária, e num tom de voz que, sendo muitas vezes ondulante, não deixa de ter a fluidez necessária ao sucesso destas faixas. Liricamente, o disco também é interessante, não se ficando pelo "Rap 101" (o que é sempre prazeroso de se ver) e abordando temas como a crítica social, a condição humana, a fama e a morte. As suas letras são ambiciosas, sem dúvida, mas com resultados variados, o que acaba por dificultar o aproveitamento total desta mixtape. Versos como "If rap was illegal you bitch niggas wouldn't even write a bar/Shit, I'd probably be behind bars" não deixam de soar bem, mas algumas falhas pontuais impedem este trabalho de ser uma obra-prima lírica, como o imperdoável excesso de "fucks" em "Bliss", a inescrupulosa listagem de drogas em "Drug Parade", o que raramente resulta numa música, e a ocasionalmente mal-calculada "Death" (perdoem-me se não considero "Kurt Angle" uma boa referência musical).

   O álbum disfruta de uma atmosfera muito própria, de carácter muito intenso, pesado e até violento por vezes, que lhe proporciona os seus melhores momentos: a socialmente consciente "Amerikkkan Pie", a aterradora "Nephilim", as negras "Death" e "Death 2", a breve mas alucinante "MindPhuck", a agressiva "LivefromHell", para enumerar algumas. É na interrupção desta atmosfera, portanto, que o disco perde qualidade. Sendo "Palm Trees" a mais óbvia excepção, músicas de natureza mais alegre acabam por perder-se no clima geral do álbum, diminuindo a sua coesão e firmeza. Deixo como exemplo as insossas "222", "GOD Blessed" e "Club Soda".

   "BetterOffDEAD" não deixa de ser, apesar disso, um excelente esforço, e sendo apenas a segunda mixtape de um grupo tão recente, dá animadores indícios sobre o futuro de Elliott, Juice e Darko. Deixando algumas imperfeições de parte, somos aqui apresentados a "beats" originais, versos bem medidos e uma atitude absolutamente implacável. Os Flatbush Zombies trazem-nos um belo conjunto de músicas que faz jus ao nome que defendem e que promete um futuro brilhante para estes rapazes de Brooklyn.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Coming Home

Kaiser Chiefs                                                                                       4/5
Universal Music, 2014





   Ao contrário de alguns dos grupos cujos trabalhos tenho abordado recentemente, posso dizer que estou bastante familiarizado com o percurso dos Kaiser Chiefs. Após a sua aclamada estreia "Employment", em 2005, a banda tem percorrido, mais coisa menos coisa, o caminho esperado de qualquer artista, testando os seus limites e alargando o seu espectro musical com cada álbum que lançam: "Yours Truly, Angry Mob" consagrou-os como grupo de rock de prestígio e influência, sendo talvez o seu melhor trabalho; "Off With Their Heads" levou-os a novas direcções, com uma componente experimental muito forte; e "The Future Is Medieval" manteve esta tendência, possuíndo no entanto demasiadas falhas, e não passando de um esforço medíocre. Este ano, os Kaiser Chiefs trazem um novo disco, "Education, Education, Education & War", com lançamento previsto para 31 de Março. Até lá deixam-nos, para além deste single, a electrizante "Bows & Arrows", a qual, diga-se de passagem, gostei bastante.

   "Coming Home" não perde tempo com apresentações, partindo com a batida a que a banda já nos habituou, acompanhada de um agudo periférico de guitarra que cria um clima eminentemente agradável. A música é, no entanto, liderada por uma formidável linha de baixo, que em muito lembra outros momentos prolíficos deste instrumento na história da banda, como a brilhante "Like It Too Much". Os vocais de Ricky Wilson, eclécticos como sempre, entram de seguida, seguindo uma bela melodia e contendo fortes letras que, dirigindo-se ao exterior, pedem a contemplação de quem ouve, em versos repetidos de "do you wish...?" e "may I remind you...?". Segue-se o refrão, um "outburst" explosivo que traz consigo pratos arrebatadores e guitarras distorcidas a máximo volume. A guitarra parte para o solo no seu melhor momento, exibindo um tom angelicalmente belo que reproduz de perto a melodia introduzida pelos vocais. Com o progredir da faixa, as perguntas formuladas por Wilson convertem-se em respostas, com a segurança de quem diz "we're coming home".

   Apesar das suas imperfeições, "Coming Home" é uma excelente música, que nos apresenta uns Kaiser Chiefs tão revigorados quanto promissores. Muito embora não desejasse que a banda enveredasse tanto pela onda "pop", a verdade é que Ricky Wilson e companhia souberam tomar o melhor proveito da sua renovada sonoridade, mostrando ao mundo que, após um disco menos conseguido, estão prontos para reconquistar terreno no rock contemporâneo. Se há algo que o lançamento deste single sem dúvida afirma, é que "Education, Education, Education & War" é um esforço que promete.