domingo, 22 de dezembro de 2013

Random Access Memories

Daft Punk                                                                                                9/10
Daft Life, 2013





"Novas obras, velhas tendências"


 Não é todos os dias que somos agraciados com um LP de um grupo tão influente e tão marcante para a música de hoje em dia como os Daft Punk. Passados 8 anos do seu último desempenho, "Human After All", a demora já se começava a fazer sentir para os tão dedicados fãs da dupla francesa, ainda que os seus autênticos hinos de discoteca que tanto marcaram a viragem do século nunca tenham, de facto, sido esquecidos pelo público. O lançamento, em 2010, da banda sonora de "Tron: Legacy" soube a pouco, até porque, à possível excepção do supersónico "Derezzed", pouco de realmente espectacular e memorável se pôde retirar desse disco. 

 O que já não se pode dizer, para a alegria de fãs em todo o mundo, do mais novo trabalho de Bangalter e Homem-Christo. Depois das reacções mistas ao já referido terceiro álbum de originais, os Daft Punk contêm as componentes electrónicas do seu estilo musical, abraçando em seu lugar os instrumentos convencionais, numa atitude ousada e de alto risco. "Random Access Memories" surge então como um esforço impressionantemente bem sucedido, decerto destinado às mais elevadas posições nas listas de melhores discos do ano. O álbum congrega as influências da música disco e electrónica dos anos 70, com alguns traços de rock, sonoridades clássicas e a já conhecida maneira de ser e impressionar da dupla, numa receita perfeita para trazer as batidas de décadas passadas às pistas de dança de hoje e, certamente, de amanhã.

 Isto porque as faixas deste disco não cessam em surpreender. Na primeira, "Give Life Back to Music", após uma estrondosa introdução que concretiza a premissa postulada no título, somos apresentados ao imaculado e viciante som da guitarra de Nile Rodgers, tão perfeitamente executado aqui como em qualquer outra música em que o tão aclamado músico participa. Em "Giorgio by Moroder" que, senão a melhor música do álbum, é decerto um dos seus mais óbvios destaques, somos imediatamente confrontados com um monólogo auto-reflexivo de Moroder que, chegando gradualmente ao seu clímax, transforma-se então numa das mais explosivas e cativantes músicas do ano. Os vocais digitalmente alterados de Julian Casablancas em "Instant Crush", parecendo de início algo forçados, revelam a sua verdadeira beleza uma vez experimentados os seus versos e refrões instantaneamente contagiantes. Nas mais comerciais "Lose Yourself to Dance" e "Get Lucky", os impressionantes agudos de Pharrell Williams (sem dúvida o nome mais conhecido deste grupo) estabelecem-se como indispensáveis para o sucesso das faixas, podendo-se dizer o mesmo dos contributos de Panda Bear para a electrizante "Doin' It Right". No pólo oposto, destaca-se "Fragments of Time", com Todd Williams, que não sendo de todo uma música má, acaba por incorrer no tédio característico da fórmula estandardizada da música pop.

 Não obstante, e tendo em conta o excelente trabalho de Bangalter e Homem-Christo neste álbum, seria injusto atribuir a grandeza da totalidade apenas às colaborações aqui presentes. "The Game of Love" traz-nos o lado mais contido e suave dos Daft Punk, num "groove" sedutor não muito diferente daquele presente em "Something About Us", do aclamado "Discovery" de 2001; "Beyond", que surpreende com uma introdução de cordas, logo segue pelo mesmo caminho, numa graciosa mistura entre riffs apelativos e um belíssimo conteúdo lírico; e "Contact", que segue as influências mais ortodoxas do trance e da música electrónica, destaca-se como uma das faixas mais dançáveis do conjunto, fazendo jus à sua posição de encerramento do disco.

 Em conclusão, não será difícil encarar "Random Access Memories" como um dos destaques definitivos do ano. Com uma sonoridade simultaneamente refrescante e nostálgica, Bangalter e Homem-Christo prometem dar a conhecer às novas gerações o estilo que tanto abalou a década de 70 com a sua brilhante reinvenção do género. Isto, aliado à perfeita execução dos instrumentos, letras inspiradas e uma belíssima produção e mistura, definem o inegável sucesso do novo disco dos Daft Punk. Num contexto em que infelizmente assistimos a um genero electrónico decadente e desinspirado, reconfortemo-nos com o facto disso definitivamente não se dever à dupla francesa.






sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Comedown Machine

The Strokes                                                                                          8/10
RCA Records, 2013



  
  "A mudança nem sempre é uma sentença"


   Considerados há não muito tempo como um dos maiores e mais promissores grupos da cena indie/garage rock dos Estados Unidos, os Strokes têm lentamente percorrido uma descida rumo ao esquecimento com cada álbum que lançam. Desde a sua obra-prima de 2001 ("Is This It") que  a banda caminha por terrenos cada vez mais desconhecidos e distantes daquele que com tão firmeza e afinco conquistaram com o seu "début". Caminho esse que passa pelo uso extensivo de órgãos, componentes electrónicos e até algum autotuner, numa decisão considerada por muitos fãs como, no mínimo, questionável. Face a todos estes factos, o leitor provavelmente estar-se-á a perguntar por que motivo deverá desperdiçar os tais 37 minutos e 49 segundos (anunciados na capa) da sua vida com um álbum de tão questionável valor.

   Deixem-me que vos forneça a resposta: porque a grande maioria desses minutos e segundos, ao contrário de muitos álbuns que hoje contam milhões de vendas, vale a pena. E muito.
   Mostrando-nos o seu lado mais "synthpop", num disco não muito diferente do trabalho a solo do cantor Julian Casablancas, os Strokes estabelecem uma nova identidade na indústria musical, identidade essa que, não fosse a criminosa falta de divulgação do disco e de uma tournée que o acompanhasse, poderia facilmente catapultá-los de volta às capas de todas as revistas e pontas de todas as línguas. Não vos minto, este não é, de longe, um álbum de acesso fácil ou imediato, principalmente para os fãs desta banda, que por tanto tempo encantou com as suas guitarras distorcidas, melodias simples e cantarolares contagiantes. É, no entanto, um álbum que, dada a oportunidade, é capaz de surpreender de formas deveras impressionantes.

  O álbum faz as suas apresentações com "Tap Out", uma música que, mais coisa menos coisa, faz a predição de como será este disco. Depois de alguns enganadores segundos de uma guitarra distorcida, que facilmente teria lugar num qualquer esforço dos Libertines, a faixa parte para um ritmo incrivelmente dançável, com destaque para o baixo proeminente e as guitarras em perfeita concordância. Mas isso já seria de esperar dos Strokes. O que aqui aparece de novo é a irreconhecível voz de Casablancas, agora dotada de um falsetto que decerto merecerá a aprovação de alguns e o desprezo de muitos outros.
   A faixa nº 2 vem para confundir. "All The Time" aparece trazendo de volta os Strokes de 2003: com o seu "feel" de banda de garagem, e tal como, por exemplo, "Under Cover of Darkness", a música parece ter sido trazida directamente da época de "Room On Fire". Não fazendo muito pela coerência do álbum, a música logra, no entanto, em introduzir uma variação apreciável.
   "One Way Trigger", primeiro single promocional, contraria novamente esta tendência, lançada num frenesim de sintetizadores e, mais uma vez, no falsetto de Casablancas que marca este disco. "Welcome To Japan"  traz-nos claras influências da música "disco", numa aposta arriscada que acaba por se tornar num dos grandes destaques de todo o álbum. Com as suas guitarras entrelaçadas e cânticos de "come on, come on, come over", a música é incrivelmente bem sucedida no seu propósito.
   Ligeiramente mais à frente, "Slow Animals" mostra-nos um lado comedido mas ainda assim marcante deste grupo que sempre se destacou pela vivacidade. É mais uma das faixas a destacar no todo. O refrão de "Partners In Crime" lembrará porventura algo que os Franz Ferdinand seriam capazes de escrever, numa mistura fatal entre rapidez, ritmo e melodia; e as originais palmas fora do tempo de "Happy Ending" são apenas um dos componentes que a torna numa das mais distinguíveis e apreciáveis do conjunto.

  No entanto, nem tudo neste peculiar álbum funciona adequadamente. "80's Comedown Machine", captando a atenção pela sua originalidade, não a mantém por muito tempo, graças às suas batidas repetitivas e "loops" aborrecidos; "50/50" peca pela simplicidade, o que, sendo bastante comum em músicas desta banda, acaba por não funcionar nesta em particular; "Chances" afigura-se muito vulgar, não passando de "mais uma" do repertório de Casablancas e companhia; e "Call It Fate Call It Karma", seguindo a tradição da balada à parte num disco dos Strokes (veja-se "Ask Me Anything" e "Call Me Back"), apesar de na sua essência ser uma boa música, beneficiaria de uma mistura mais balanceada e uma produção mais competente.

  Apesar destes defeitos de menor valor, o álbum não agrega de todo um balanço negativo, pesando mais os seus pontos altos que baixos. A secção instrumental é, como sempre, impecável: o baixo mantêm-se fiel, tendo momentos de pura mestria; as guitarras nunca saem de harmonia, brilhando em muitas ocasiões; a bateria, mesmo não se destacando, mantêm sempre o controlo e congrega bem o conjunto; os electrónicos e sintetizadores introduzem uma componente importante, fazendo a diferença no agregado do álbum. A voz, não sendo nada de espectacular, mantêm a afinação consistentemente ao longo do disco, e conjugada com as letras inteligentes e sempre "tongue-in-cheek" de Casablancas, serve, e bem, o seu propósito. Se as notas altas a que Julian chega no álbum poderão ser reproduzidas, no futuro, ao vivo, teremos de esperar para confirmar. Mas com um álbum tão rico em originalidade, entrega e brilhantismo, porquê perder-se em divagações?