sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Comedown Machine

The Strokes                                                                                          8/10
RCA Records, 2013



  
  "A mudança nem sempre é uma sentença"


   Considerados há não muito tempo como um dos maiores e mais promissores grupos da cena indie/garage rock dos Estados Unidos, os Strokes têm lentamente percorrido uma descida rumo ao esquecimento com cada álbum que lançam. Desde a sua obra-prima de 2001 ("Is This It") que  a banda caminha por terrenos cada vez mais desconhecidos e distantes daquele que com tão firmeza e afinco conquistaram com o seu "début". Caminho esse que passa pelo uso extensivo de órgãos, componentes electrónicos e até algum autotuner, numa decisão considerada por muitos fãs como, no mínimo, questionável. Face a todos estes factos, o leitor provavelmente estar-se-á a perguntar por que motivo deverá desperdiçar os tais 37 minutos e 49 segundos (anunciados na capa) da sua vida com um álbum de tão questionável valor.

   Deixem-me que vos forneça a resposta: porque a grande maioria desses minutos e segundos, ao contrário de muitos álbuns que hoje contam milhões de vendas, vale a pena. E muito.
   Mostrando-nos o seu lado mais "synthpop", num disco não muito diferente do trabalho a solo do cantor Julian Casablancas, os Strokes estabelecem uma nova identidade na indústria musical, identidade essa que, não fosse a criminosa falta de divulgação do disco e de uma tournée que o acompanhasse, poderia facilmente catapultá-los de volta às capas de todas as revistas e pontas de todas as línguas. Não vos minto, este não é, de longe, um álbum de acesso fácil ou imediato, principalmente para os fãs desta banda, que por tanto tempo encantou com as suas guitarras distorcidas, melodias simples e cantarolares contagiantes. É, no entanto, um álbum que, dada a oportunidade, é capaz de surpreender de formas deveras impressionantes.

  O álbum faz as suas apresentações com "Tap Out", uma música que, mais coisa menos coisa, faz a predição de como será este disco. Depois de alguns enganadores segundos de uma guitarra distorcida, que facilmente teria lugar num qualquer esforço dos Libertines, a faixa parte para um ritmo incrivelmente dançável, com destaque para o baixo proeminente e as guitarras em perfeita concordância. Mas isso já seria de esperar dos Strokes. O que aqui aparece de novo é a irreconhecível voz de Casablancas, agora dotada de um falsetto que decerto merecerá a aprovação de alguns e o desprezo de muitos outros.
   A faixa nº 2 vem para confundir. "All The Time" aparece trazendo de volta os Strokes de 2003: com o seu "feel" de banda de garagem, e tal como, por exemplo, "Under Cover of Darkness", a música parece ter sido trazida directamente da época de "Room On Fire". Não fazendo muito pela coerência do álbum, a música logra, no entanto, em introduzir uma variação apreciável.
   "One Way Trigger", primeiro single promocional, contraria novamente esta tendência, lançada num frenesim de sintetizadores e, mais uma vez, no falsetto de Casablancas que marca este disco. "Welcome To Japan"  traz-nos claras influências da música "disco", numa aposta arriscada que acaba por se tornar num dos grandes destaques de todo o álbum. Com as suas guitarras entrelaçadas e cânticos de "come on, come on, come over", a música é incrivelmente bem sucedida no seu propósito.
   Ligeiramente mais à frente, "Slow Animals" mostra-nos um lado comedido mas ainda assim marcante deste grupo que sempre se destacou pela vivacidade. É mais uma das faixas a destacar no todo. O refrão de "Partners In Crime" lembrará porventura algo que os Franz Ferdinand seriam capazes de escrever, numa mistura fatal entre rapidez, ritmo e melodia; e as originais palmas fora do tempo de "Happy Ending" são apenas um dos componentes que a torna numa das mais distinguíveis e apreciáveis do conjunto.

  No entanto, nem tudo neste peculiar álbum funciona adequadamente. "80's Comedown Machine", captando a atenção pela sua originalidade, não a mantém por muito tempo, graças às suas batidas repetitivas e "loops" aborrecidos; "50/50" peca pela simplicidade, o que, sendo bastante comum em músicas desta banda, acaba por não funcionar nesta em particular; "Chances" afigura-se muito vulgar, não passando de "mais uma" do repertório de Casablancas e companhia; e "Call It Fate Call It Karma", seguindo a tradição da balada à parte num disco dos Strokes (veja-se "Ask Me Anything" e "Call Me Back"), apesar de na sua essência ser uma boa música, beneficiaria de uma mistura mais balanceada e uma produção mais competente.

  Apesar destes defeitos de menor valor, o álbum não agrega de todo um balanço negativo, pesando mais os seus pontos altos que baixos. A secção instrumental é, como sempre, impecável: o baixo mantêm-se fiel, tendo momentos de pura mestria; as guitarras nunca saem de harmonia, brilhando em muitas ocasiões; a bateria, mesmo não se destacando, mantêm sempre o controlo e congrega bem o conjunto; os electrónicos e sintetizadores introduzem uma componente importante, fazendo a diferença no agregado do álbum. A voz, não sendo nada de espectacular, mantêm a afinação consistentemente ao longo do disco, e conjugada com as letras inteligentes e sempre "tongue-in-cheek" de Casablancas, serve, e bem, o seu propósito. Se as notas altas a que Julian chega no álbum poderão ser reproduzidas, no futuro, ao vivo, teremos de esperar para confirmar. Mas com um álbum tão rico em originalidade, entrega e brilhantismo, porquê perder-se em divagações?
  

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