terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Midnight

Coldplay                                                                                       4.5/5
Parlophone, 2014





   Deixem-me que vos conte uma pequena história, que ocorreu há cerca de três horas. Cheguei a casa, satisfeito por ter sido publicado o meu primeiro artigo no Espalha Factos, e qual não foi a minha surpresa quando, ao ligar o computador, deparei-me com a notícia de que os Coldplay haviam acabado de lançar uma nova faixa, sem qualquer aviso prévio ou informação adicional. Ora, apesar de ser forçado a admitir que em tempos já apreciei Coldplay, a verdade é que há muito tempo não dava atenção à banda de Chris Martin. Mais especificamente, desde o seu terceiro álbum de originais, X&Y, que na minha opinião está bastante bom. Nada de espectacular, mas bom. A este seguiu-se o fraco "Viva La Vida or Death and All His Friends", e o impronunciável "Mylo Xyloto", que só escutei de passagem. Ouvir o mais novo single dos Coldplay não era, portanto, uma das minhas prioridades.

   Acontece, no entanto, que fui de facto escutar a dita "Midnight", e para colocar as coisas de forma simples, é a melhor música dos Coldplay que já ouvi. A instrumentação e arranjos empregues nos álbuns anteriores foram completamente descartados, juntamente com grande parte das tendências comerciais que impregnavam há anos as músicas deste grupo, para a criação de um som denso, profundo e extraordinariamente belo. Uma das mais marcantes características deste novo single é o seu carácter progressivo: "Midnight" constrói-se peça por peça, em encantadores tons de guitarra, sintetizador e sopros que muito fazem lembrar o mais recente trabalho das Warpaint. E esta referência serve perfeitamente para ilustrar a radical mudança que os Coldplay demonstram nesta faixa, que tão pouco tem de "Parachutes" quanto de "Mylo Xyloto". Os timbres, sempre tão limpos e abertos, são divinais, tal como a ligeira reverberação que marca presença ao longo de toda a faixa, mas o verdadeiro protagonismo pertence à voz. Chris Martin impressiona aqui como nunca antes, por versos suspirados e agudos à medida dispostos na forma de uma harmonia vocal absolutamente mesmerizante. 

   Se tenho algo a criticar em relação a "Midnight", é a sua ligeiramente excessiva produção, que por vezes amortece o som, prejudicando um pouco a experiência auditiva da música. De resto, parece-me que esta faixa cairá mal a alguns dos fãs mais dedicados da banda, que decerto estranharão a sua tão peculiar forma e renovado estilo. Não obstante, "Midnight" é feito do material com que se concretizam grandes obras: melodias cativantes, atmosfera envolvente e atitude louvável. Eu, que nunca pensava atribuir uma nota tão alta a esta banda, dou o braço a torcer - nunca os Coldplay estiveram melhor. 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Motivational Jumpsuit

Guided by Voices                                                                                2/10
Guided by Voices Inc, 2014





"Quantidade por qualidade"


   Apesar de não conhecer muita coisa destes Guided by Voices, o nome não me era completamente estranho, e confesso que sempre tive alguma curiosidade pela tão prolífica banda de Robert Pollard. Eis que, ao saber do lançamento de "Motivational Jumpsuit", decidi dar uma oportunidade a este grupo, mesmo que tudo me indicasse que sairia desapontado. E daí - pensei - ser este o vigésimo álbum da carreira dos Guided by Voices, e o quinto em apenas dois anos? Muitos já lançaram mais material, e poderia ser que estivéssemos perante alguns dos mais activos e talentosos músicos da nossa era. E daí que o disco tenha 20 músicas, muitas delas de minuto e meio e nenhuma que ultrapasse muito os três minutos? O excesso de material nem sempre prejudica o produto final, e não é preciso mais de dois minutos para congregar uma música de qualidade, como já foi demonstrado das mais variadas formas.

   A diferença, no entanto, entre as três músicas que hiperliguei acima e a grande maioria das faixas aqui presentes é que as primeiras, em detrimento das segundas, deixam transparecer, em maior ou menor grau, densidade, planeamento, em suma - dedicação. "Motivational Jumpsuit" é uma triste tentativa que repele a denominação de "álbum", repleta de meias-ideias, material mal trabalhado e uma atitude ridiculamente desinteressada. Aliás, não conhecendo a banda, custou-me a acreditar que esta miséria de disco é-nos apresentado por uma banda de veteranos, que já leva duas dezenas de trabalhos às costas.

   Ouvir este álbum, faixa por faixa, é uma experiência que possui tanto de engraçado quanto de desolador. Vocais desafinados, ritmos fora de tempo, melodias execráveis, timbres horrorosos, enfim - tudo o que torna um álbum péssimo pode ser encontrado em "Motivational Jumpsuit". Não pensem que me refiro, no entanto, ao seu estilo lo-fi. Muito pelo contrário: admiro bastante a forma como os Guided by Voices buscam um som sujo, despojado, desprovido de efeitos de estúdio e mantido o mais simples possível. O problema aqui é que, apesar de não totalmente inférteis, as ideias de Pollard são manifestamente incompletas e insuficientemente exploradas pela banda, resultando num conjunto de fragmentos musicais aleatoriamente dispostos, que nada têm a ver uns com os outros e que são quase instantaneamente esquecíveis.

   Isto culmina num produto musical quase desagradável de se ouvir, revelando-se difícil percorrer as desmedidas melodias de faixas como "Littlest League Possible", "A Bird With No Name" e "Go Without Packing", a energúmena falta de entusiasmo de "Child Activist" e os abomináveis arranjos de "Jupiter Spin". Em termos líricos, Pollard parece ter tropeçado sobre um admirável conjunto de temas sobre os quais ninguém quer ouvir: "Some things are big and/Some things are small", canta ele na décima-sétima faixa, do mesmo nome. Em "Littlest League Possible", Pollard afirma, com toda a confiança: "Gonna have a lot of fun/Gonna hit a home run/In the littlest league possible". Mais à frente, em "Writer's Bloc", profere, acompanhado de um desastroso riff de guitarra: "It's taking me... hours... days... weeks". Posso comentar sobre muitas coisas, mas recuso-me a discutir a qualidade de letras como estas.

   De facto, há muito tempo que não me deparava com um álbum tão mau quanto este. Ocasionais momentos que demonstram resquícios de alguma musicalidade, como "Save the Company" e "Bulletin Borders" não são páreo para o ridículo montante de material inútil que o álbum agrega. Este esforço mal é digno de um grupo de adolescentes que decidiu reunir-se depois da escola e tocar uns acordes, quanto mais de uma banda da dimensão e influência dos Guided by Voices. Robert Pollard pode bem ser um dos mais prolíficos compositores de sempre, mas oferece pouco em "Motivational Jumpsuit" que o defenda. Mas não se preocupem: o próximo álbum deste grupo sai já em Maio. Quanto à sua qualidade, tenho as minhas dúvidas.






domingo, 23 de fevereiro de 2014

BetterOffDEAD

Flatbush Zombies                                                                                8/10
Electric KoolAde Records, 2013





"Mente forte, corpo firme"


   O hip-hop é um estilo de música curioso. Confesso que, por muitos anos, tive um grande preconceito com este género, algo do qual não me orgulho minimamente. E até hoje em dia, não posso dizer que seja o estilo de música que mais acompanho ou aprecio, mas a verdade é que o rap possui um "algo" subjacente, que o torna muito mais que um mero conjunto de vocais disposto sobre uma batida electrónica. Os Flatbush Zombies, grupo de Brooklyn constituído por Eric "Arc" Elliott, Zombie Juice e Meechy Darko, vêm comprovar exactamente isso na sua segunda mixtape, agregando aí o espírito do movimento "Beast Coast" da costa leste americana. 

   "BetterOffDEAD" é um incrivelmente bem-sucedido esforço, constituindo nada mais, nada menos que 66 minutos de hip-hop agressivo, carismático, e directo: desde a charmosa introdução de "Amerikkkan Pie", somos instantâneamente envolvidos pelas inteligentes rimas e abrasivas batidas dos Zombies. Percebemos, no entanto, que este não é um álbum de hip hop comum, seja pelas impressionantes transições empregues de música para música, que incluem "voice-overs" e emuladores de rádio de todos os tipos, seja por recursos que normalmente não se vêem num disco deste género musical: a bateria proeminente em "Nephilim" e "MinePhuck", que substitui o "beat" de forma bastante convincente; os belissimamente executados vocais de apoio em "Palm Trees", que dão um toque especial à faixa; ou os vários tons de guitarra, piano e cordas dispostos às pinceladas do começo ao fim do disco. Cortesia da produção, que de facto faz um excelente trabalho não só na secção instrumental, mas também na diversidade de texturas, contrastando não raro uma sonoridade mais aberta e dinâmica com uma mistura mais abafada durante este álbum.

   No que diz respeito aos vocais, o grupo apresenta-se como raramente repreensível, tirando partido dos seus recursos e revertendo-os a seu favor: os vocais mais agudos e gritantes de Zombie Juice contrastam com os mais graves e roucos de Meechy Darko, uma mistura que impede a saturação da voz e age em seu benefício. Os seus versos são-nos entregues com uma garra extraordinária, e num tom de voz que, sendo muitas vezes ondulante, não deixa de ter a fluidez necessária ao sucesso destas faixas. Liricamente, o disco também é interessante, não se ficando pelo "Rap 101" (o que é sempre prazeroso de se ver) e abordando temas como a crítica social, a condição humana, a fama e a morte. As suas letras são ambiciosas, sem dúvida, mas com resultados variados, o que acaba por dificultar o aproveitamento total desta mixtape. Versos como "If rap was illegal you bitch niggas wouldn't even write a bar/Shit, I'd probably be behind bars" não deixam de soar bem, mas algumas falhas pontuais impedem este trabalho de ser uma obra-prima lírica, como o imperdoável excesso de "fucks" em "Bliss", a inescrupulosa listagem de drogas em "Drug Parade", o que raramente resulta numa música, e a ocasionalmente mal-calculada "Death" (perdoem-me se não considero "Kurt Angle" uma boa referência musical).

   O álbum disfruta de uma atmosfera muito própria, de carácter muito intenso, pesado e até violento por vezes, que lhe proporciona os seus melhores momentos: a socialmente consciente "Amerikkkan Pie", a aterradora "Nephilim", as negras "Death" e "Death 2", a breve mas alucinante "MindPhuck", a agressiva "LivefromHell", para enumerar algumas. É na interrupção desta atmosfera, portanto, que o disco perde qualidade. Sendo "Palm Trees" a mais óbvia excepção, músicas de natureza mais alegre acabam por perder-se no clima geral do álbum, diminuindo a sua coesão e firmeza. Deixo como exemplo as insossas "222", "GOD Blessed" e "Club Soda".

   "BetterOffDEAD" não deixa de ser, apesar disso, um excelente esforço, e sendo apenas a segunda mixtape de um grupo tão recente, dá animadores indícios sobre o futuro de Elliott, Juice e Darko. Deixando algumas imperfeições de parte, somos aqui apresentados a "beats" originais, versos bem medidos e uma atitude absolutamente implacável. Os Flatbush Zombies trazem-nos um belo conjunto de músicas que faz jus ao nome que defendem e que promete um futuro brilhante para estes rapazes de Brooklyn.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Coming Home

Kaiser Chiefs                                                                                       4/5
Universal Music, 2014





   Ao contrário de alguns dos grupos cujos trabalhos tenho abordado recentemente, posso dizer que estou bastante familiarizado com o percurso dos Kaiser Chiefs. Após a sua aclamada estreia "Employment", em 2005, a banda tem percorrido, mais coisa menos coisa, o caminho esperado de qualquer artista, testando os seus limites e alargando o seu espectro musical com cada álbum que lançam: "Yours Truly, Angry Mob" consagrou-os como grupo de rock de prestígio e influência, sendo talvez o seu melhor trabalho; "Off With Their Heads" levou-os a novas direcções, com uma componente experimental muito forte; e "The Future Is Medieval" manteve esta tendência, possuíndo no entanto demasiadas falhas, e não passando de um esforço medíocre. Este ano, os Kaiser Chiefs trazem um novo disco, "Education, Education, Education & War", com lançamento previsto para 31 de Março. Até lá deixam-nos, para além deste single, a electrizante "Bows & Arrows", a qual, diga-se de passagem, gostei bastante.

   "Coming Home" não perde tempo com apresentações, partindo com a batida a que a banda já nos habituou, acompanhada de um agudo periférico de guitarra que cria um clima eminentemente agradável. A música é, no entanto, liderada por uma formidável linha de baixo, que em muito lembra outros momentos prolíficos deste instrumento na história da banda, como a brilhante "Like It Too Much". Os vocais de Ricky Wilson, eclécticos como sempre, entram de seguida, seguindo uma bela melodia e contendo fortes letras que, dirigindo-se ao exterior, pedem a contemplação de quem ouve, em versos repetidos de "do you wish...?" e "may I remind you...?". Segue-se o refrão, um "outburst" explosivo que traz consigo pratos arrebatadores e guitarras distorcidas a máximo volume. A guitarra parte para o solo no seu melhor momento, exibindo um tom angelicalmente belo que reproduz de perto a melodia introduzida pelos vocais. Com o progredir da faixa, as perguntas formuladas por Wilson convertem-se em respostas, com a segurança de quem diz "we're coming home".

   Apesar das suas imperfeições, "Coming Home" é uma excelente música, que nos apresenta uns Kaiser Chiefs tão revigorados quanto promissores. Muito embora não desejasse que a banda enveredasse tanto pela onda "pop", a verdade é que Ricky Wilson e companhia souberam tomar o melhor proveito da sua renovada sonoridade, mostrando ao mundo que, após um disco menos conseguido, estão prontos para reconquistar terreno no rock contemporâneo. Se há algo que o lançamento deste single sem dúvida afirma, é que "Education, Education, Education & War" é um esforço que promete.

Evil Friends

Portugal. The Man                                                                                7/10
Atlantic Records, 2013





"Irregular brilhantismo"


   Existe algo de muito curioso, diria até perturbador, sobre a forma de fazer música dos Portugal. The Man, forma essa que os torna bastante difícil de categorizar. As suas melodias alegres e inocentes que clamam pela designação "pop" contrastam tanto com a sua instrumentação mais rock, como com a sua atitude e estilo tipicamente indie. Estas características conjugam-se nesta banda do Alasca para a criação de uma sonoridade que, simultaneamente diversa e coerente, doce e agressiva, é certamente propensa a maravilhar. "Evil Friends" pode não ser infalível, ou sequer excelente, mas vem provar a bela dinâmica desta banda e a afinada capacidade dos Portugal para escrever músicas simples, mas com grande potencial.

   O sucessor de "In The Mountain in the Cloud", e o disco que, após seis "full-lengths", veio finalmente dar alguma visibilidade a esta banda, é curiosamente bastante difícil de digerir para quem não está habituado a este estilo de música. As melodias, que são, de facto, bastante contagiantes e de grande qualidade na maioria das ocasiões, são aqui muitas vezes dispostas forma bastante inortodoxa, e quando isto não se verifica são frequentemente confrontadas com texturas incomuns ou efeitos distorcivos. Tudo isto é cortesia de Danger Mouse, chamado a produzir o sétimo álbum dos Portugal. The Man, e cujas marcas são bastante visíveis com o decorrer do disco. Tão visíveis, diria, que este álbum teima em lembrar outro dos recentes trabalhos do aclamado produtor: "El Camino", dos Black Keys. E embora Danger Mouse tenha deixado a desejar em muitos aspectos com este último, não se pode dizer que o seu trabalho tenha prejudicado "Evil Friends".

   O álbum é recheado de excelentes músicas que após a primeira audição deixam o desejo pela segunda, e a sua magia encontra-se não raro nos pequenos detalhes: a inesperada secção de sopro em "Creep In A T-Shirt"; a deliciosa abertura a piano e guitarra da faixa-título, "Evil Friends"; ou os viciantes tons de sintetizador em "Purple, Yellow, Red and Blue" e "Modern Jesus". Destaque também para o baixo e a componente rítmica, irrepreensíveis neste disco, com assinatura inconfundível da produção de Danger Mouse. Para além disso, as estruturas musicais aqui implementadas criam uma atmosfera muito própria, que dá ao álbum um "feel" que o distingue da maioria dos álbuns de rock, e que o torna... bem, épico. Exemplos disso estão espalhados por todo o álbum e vão desde a breve referência de "Creep" a "Evil Friends" e o estrondoso "breakdown" de "Sea of Air" ao belíssimo "outro" de "Atomic Man" e a fantástica introdução prolongada de "Waves", com um piano de base acompanhado por um brilhantemente executado solo de guitarra. O seu expoente máximo, no entanto, é "Plastic Soldiers", que com sua estrutura tripartida, temas desesperadores e instrumentação comovente, é nada mais nada menos que maravilhoso.

   Contudo, há muito aqui que impede "Evil Friends" de ser justamente considerado um "excelente disco". Em primeiro lugar, sofre bastante pela inconstância: sendo eficaz nos seus pontos fortes, acaba por falhar demasiado nos fracos para gozar de verdadeira coerência. "Hip Hop Kids" e "Hallelujah (Holy Roller)" são aceitáveis, mas não vão muito além, caindo um pouco na irritante tendência do "arena rock". Já "Someday Believers" e a encerradora "Smile" são completamente dispensáveis, passando o álbum mais que bem sem a sua perturbadora presença. Liricamente, o disco tem os seus momentos, mas sofre da mesma irregularidade. Versos como "Think we give a shit, well/We don't", "But the military's still got more in its budget" e "When I grow up I wanna be/A rich kid born celebrity" soam, se não ridículos, mal colocados pelo menos. A banda parece buscar uma identidade lírica que, oscilando entre a presunção, a rebeldia e a incerteza, ainda não foi encontrada.

   Não obstante estes factores menos positivos, e o facto da mistura de pianos, sintetizadores e guitarras eléctricas e acústicas parecer muitas vezes exagerada, "Evil Friends" continua a ser um grande disco. Destaque para as excelentes "Plastic Soldiers", "Evil Friends", "Atomic Man" e "Waves", sem dúvida os melhores esforços deste conjunto. Com sua boa dose de batidas intrigantes, refrões arrebatadores e uma riqueza instrumental vastíssima, o sétimo disco dos Portugal. The Man não desapontará a quem lhe der a oportunidade.



domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cheatahs

Cheatahs                                                                                              4/10
Wichita Records, 2014





"Grandes fórmulas, pequenos resultados"


   Se não há muito a ser dito sobre o "background" dos Cheatahs, será talvez pelo pouco que se sabe acerca da novata banda. Oriundo de Londres, o grupo leva debaixo do braço um par de EP's que chamou a atenção da crítica e das gravadoras em 2012, possibilitando o lançamento da sua estreia autointitulada já este ano. E embora admire a sua sonoridade e reconheça o objectivo a que querem chegar, não posso dizer que tenha ficado fã deste "Cheatahs".

   A lista de fontes a que vão beber é mais que clara: do grunge, ao rock alternativo, ao indie e até a algum psicadélico, tudo neste álbum lembra, mais ou menos vivamente, algo que já foi feito e refeito no passado. A originalidade não é, então, um dos pontos fortes dos Cheatahs, a provar por qualquer uma das faixas presentes neste disco. Não é este, no entanto, o meu problema com o seu début. Afinal - poderá ser argumentado - não existe muito de realmente novo na música actual, e a energia, vivacidade e competência que os Cheatahs apresentam no seu homónimo certamente compensará esta incapacidade criativa.

   A isto, respondo: até seria esse o caso, se este esforço não se revelasse, por falta de melhor palavra, tão imperdoavelmente vazio. Desprovido de um rumo que o guie, "Cheatahs" segue por caminhos já desbravados, sem mostrar sequer resquícios de uma entrega ou identidade que compense o seu tão óbvio plágio. Não há nada que o destaque, que o individualize, que o separe das dezenas e dezenas de outras bandas que fizeram mais e melhor que aquilo que fazem aqui os Cheatahs. Muitas vezes lembram um Dinosaur Jr. ou um Nirvana, embora sem a alma, o verdadeiro espírito de musicalidade que tanto os identificou e que deles fez verdadeiros marcos da história da música. O "invólucro" aliciante e promissor que este disco apresenta é contrabalançado por um conteúdo inexistente, sem personalidade, atitude, carisma, sinceridade - oco, se quiserem. 

   E mesmo que isto não seja suficiente para fazer de "Cheatahs" um álbum verdadeiramente fraco, a verdade é que a banda não oferece um contraponto melódico ou sequer lírico suficiente: melodicamente, a pobreza do disco é manifestamente impeditiva do seu sucesso, havendo pouco por onde se pegue (sendo "Fall" e "Geographic" as mais óbvias excepções); e liricamente o panorama é ainda mais desolador (veja-se o single "The Swan", por exemplo), culminando num resultado que muitíssimo deixa a desejar. E como se não bastasse o facto deste álbum ser uma reprodução de uma infinidade de anteriores, ao ouvir as faixas aqui presentes não deixo de ter a impressão de que cada música é uma reprodução da anterior, numa infindável repetição do mesmo som, da mesma batida e das mesmas guitarras. Fazendo pela coesão do álbum, esta característica não ajuda muito à sua dinâmica ou interesse geral.

   De facto, "Cheatahs" é irremediavelmente formulista, repetitivo, absorto e, acima de tudo, aborrecido. Alguns momentos menos repreensíveis, como a interessante "Geographic", a potente "Get Tight" e a graciosa "Fall" não chegam para salvar este disco da sua inescapável mediocridade. É certo que, no início da sua carreira, os Cheatahs ainda podem aprender muito e crescer tanto mais. Mas se há algo que este álbum indica é que não será prudente esperar muito desta banda. Desinspirado, desnorteado e quase inteiramente despejável, "Cheatahs" é um tiro para fora do alvo. 



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Warpaint

Warpaint                                                                                               8/10
Rough Trade Records, 2014





"Atitude, beleza, sincronia"


   Mentiria se dissesse que, há mero mês, estava de todo familiarizado com as Warpaint. Se tanto, sabia isto: é uma banda americana, constituída inteiramente por mulheres e que, de forma muito vaga e abstracta, poderia ser caracterizada como "indie". Pouco que realmente despertasse o meu interesse a ponto de considerar dar atenção a, entre tantos, este grupo em particular. Foi por mero acaso, então, que resolvi pegar no seu segundo álbum de originais, "Warpaint", e dar uma oportunidade à banda de Kokal, Wayman, Lindberg e Mozgawa. E não posso dizer que esteja minimamente arrependido.

   "Warpaint" é um brilhantemente atmosférico esforço que, reunindo influências que vão do pop ao psicadélico, destaca-se como um dos melhores com que tive contacto nos últimos tempos. Numa intensa mistura de estados de espírito que passa tão facilmente pelo excitante como pelo comovente, as Warpaint trazem-nos um excelente trabalho que, desde logo, é candidato a um dos melhores do ano.

   A componente que salta à vista (neste caso, aos ouvidos) desde o primeiro momento é o forte carácter rítmico que este disco apresenta, fundando-se na importante função que a bateria desempenha, se não em todas, na grande maioria das faixas aqui presentes. Desde a inortodoxa "Intro" e a brilhante "Keep it Healthy" até musicas como "Hi" e "CC", a batida assume-se como indiscutível protagonista. Papel este que divide, sem dúvida, com o baixo, que aqui se manifesta em linhas melódicas surpreendentemente cativantes. Em "Disco//very", por exemplo, o baixo chega a ser mesmerizante, repetindo-se em linhas contínuas que acompanham vocais monotónicos para a criação de um extraordinário ambiente. "Feeling Allright", outro dos grandes destaques do disco, traz-nos outra faceta: um baixo dançante acompanhado por um ritmo regular e ao redor do qual gravitam ligeiras passagens de guitarra que dão um toque especial à faixa.

   Um outro aspecto digno de louvor deste autointitulado álbum é a diversidade de texturas e sonoridades que aqui se pode encontrar. De sua parte, a guitarra é por si só bastante ecléctica: dos regulares "strums" aos arpeggios, tremolos e feedbacks, a multiplicidade de técnicas implementadas é de uma riqueza extraordinária. Conta-se entre as músicas que se destacam neste âmbito "Intro", "Keep It Healthy", "Teese", "Love Is To Die", entre outras. As teclas também marcam forte presença, seja na forma do piano tradicional, na comovente encerradora "Son", seja nos cíclicos sintetizadores de "Biggy", outra das excelentes faixas deste conjunto. De resto, as componentes electrónicas pairam ocasionalmente sobre o disco, tal como uma vasta gama de vozes secundárias que tanto mais contribuem para a sua preponderante qualidade.

   O álbum não passa, contudo, sem as suas falhas. Melodicamente é, no seu melhor, interessante, não passando do regular na maioria das ocasiões. No entanto, ofereço o contraexemplo da inesperada mudança de tom em "Love Is To Die", estilisticamente insuperável pelo resto do disco. Algumas faixas sofrem também pela ineficácia: "Go In" não suscita qualquer interesse, "CC" é, na melhor das ocasiões, apenas medíocre, e "Teese", usufriundo de uma excelente introdução de guitarra acústica, depressa segue para uma inexpugnável monotonia. Para além disso, fica a impressão de que o álbum beneficiaria de cortes pontuais, parecendo algumas das maiores faixas excessivamente prolongadas. Mas não será isto o que separará o álbum do seu mérito. Faixas empolgantes, atmosferas absorventes e grande variedade e desempenho instrumental fazem de "Warpaint" um excelente esforço, decerto destinado às mais eloquentes recomendações. Quatro anos após o seu début, as americanas retornam com um disco que reitera a sua mensagem: o nome "Warpaint" veio para ficar. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Open Up (That's Enough)/Rough Detective

The Dead Weather                                                                                  3.5/5
Third Man Records, 2014






   "The Dead Weather" é uma banda americana de blues/garage rock formada em 2009, e constituída por Jack White (The White Stripes, The Raconteurs), Allison Mosshart (The Kills), Dean Fertita (Queens of the Stone Age) e Jack Lawrence (The Greenhorns). Após o lançamento, em 2009, do pesado e "bluesy" "Horehound", e em 2010 do mais experimental "Sea of Cowards", os norte-americanos retornam dois novos singles que antecipam a chegada do seu terceiro álbum de originais que, infelizmente, segundo a própria banda, deverá ser lançado apenas em 2015.

   Até lá, a chegada destes singles dá bons sinais acerca do rumo que a banda toma. Os americanos voltam em grande, mostrando toda a potência e ímpeto que têm a oferecer num par de faixas que tem muito que se lhe diga. Open Up (That's Enough) oscila entre a raiva e a mansidão, com um riff enorme que acompanha os apelos incontidos em formato pergunta/resposta de "open up!" e "that's enough!". Uma faixa esplosiva que, apesar de reciclar ideias, mostra que a banda ainda está em grande forma. Rough Detective, por outro lado, segue a seu passo, abordando-nos de uma outra perspectiva: fundando-se numa forte vertente rítmica, a faixa contém Mosshart e White em dueto, acompanhados de perto por linhas de guitarra e baixo absolutamente arrebatadoras. Subindo a fasquia em relação a Open Up, a música remete para I Cut Like a Buffalo pelo seu "groove" e sequência instantaneamente memorável.

   No entanto, os novos esforços dos Dead Weather deixam ficar a sensação de que os pontos fortes da banda não estão a ser holisticamente aproveitados. A nível melódico, ainda parecem excessivamente pobres, quando comparados com trabalhos recentes de grupos análogos como os Queens of the Stone Age, os Raconteurs ou até mesmo o próprio Jack White no seu álbum a solo. Para além disso, as ideias aqui presentes são demasiado undireccionais, esgotando-se rapidamente e deixando o ouvinte à espera de mais. Não é preciso ser-se grande conhecedor do trabalho desta banda para reconhecer que já fizeram muito melhor no que diz respeito a singles, seja com o ataque de "Hang You from the Heavens" de Horehound, seja com a também formidável "Blue Blood Blues" de Sea of Cowards. 

   Apesar disso, resta muito a ser dito do ainda tão distante terceiro álbum de originais dos Dead Weather. Se serão capazes de ultrapassar os dois esforços anteriores, só o tempo (e a divulgação de mais material) o dirá. Até lá, contentemo-nos com o facto de que, se não melhor, a banda permanece em grande forma, tendo ainda muito de bom para dar.