sábado, 22 de março de 2014

Blood Red Shoes

Blood Red Shoes                                                                        8/10
Jazz Life Records, 2014





"Uma afirmação de pura energia"


   Há quem diga que o rock anda morto. Não de qualquer tipo, no entanto: aquele rock sujo, excessivamente distorcido, atrevido, que outrora incomodava vizinhos e levava multidões ao delírio com seus riffs esmagadores e potência soberba. Há quem diga que já deixa saudades. Que os ronronares de bateria foram substituídos por "beats" electrónicos, as guitarras vibrantes por sintetizadores flácidos, e o espírito de revolta pela ganância comercial. Que os tempos de boa música já vão longe. A estes, digo: é graças a bandas como os Blood Red Shoes que tudo o que disse acima é absolutamente falso. 

   "Blood Red Shoes" não é perfeito, mas combina de forma brilhante o minimalismo de estúdio com uma atitude implacável para a criação de um som pesado, divertido e consistentemente apreciável. O quarto álbum dos britânicos Laura-Mary Carter e Steven Ansell não deixa de ser, apesar de tudo, bastante nostálgico: em muitos momentos lembra o som despojado do punk e do rock dos anos 70, e o seu tom é claramente emprestado do movimento "garage rock" do início dos anos 2000. Mas este permanece sempre fiel à personalidade dos Blood Red Shoes, levando o cunho marcante da banda não obstante os caminhos que percorre. Por riffs memoráveis, batidas incríveis e refrões arrebatadores, a banda traz-nos doze músicas de grande qualidade, raramente perdendo o interesse dos seus ouvintes.

  Um dos maiores trunfos de "Blood Red Shoes" está, sem dúvida, nas suas guitarras. O seu timbre é fantástico, sempre tão vivo e marcante, e a sua distorção rasgante proporciona momentos de pura êxtase ao longo deste disco. Como na primeira faixa, "Welcome Home", um feroz aglomerado de riffs de guitarra que abre o disco de forma espectacular. "An Animal" e "Don't Get Caught" são outros grandes destaques, talvez os maiores de todo este LP. Dançando por métricas conflituantes, são dotadas elas próprias de linhas de guitarra extraordinárias, demonstrando muito a ambição trazida por este álbum, não obstante as suas tão óbvias influências do "garage" e do "post-punk revival". Estas e outras, como "Everything All at Once", "The Perfect Mess" e "Grey Smoke" conferem ao álbum a potência e vivacidade de que se utiliza para cativar instantaneamente.

   Músicas como "Far Away" e "Stranger", por exemplo, abornam-nos de forma diferente: os tons distorcidos de guitarra estã lá, mas não é através deles que os Blood Red Shoes interagem com o ouvinte. Não podendo ser legitimamente rotuladas de "comerciais", estas faixas gozam de uma ênfase maior no liricismo, melodia e musicalidade, procurando demonstrar de forma distinta as capacidades desta banda. Contudo, fica o sentimento de que estas "jogadas pelo seguro", se quiserem, não são tão bem sucedidas como aquelas que revelam o lado mais agressivo e rasgante da dupla. É o que ocorre também com "Cigarettes In The Dark", o mais próximo de uma balada que se encontra por aqui, e a encerradora "Tightwire" que, regendo-se pela melodia cíclica do seu refrão, acaba por se revelar demasiado repetitivo. Mesmo não sendo um aspecto completamente negativo, falhas pontuais como estas são o que separam este álbum do verdadeiro primor.

   A nível instrumental, a par da já referida primazia das guitarras, a bateria é exemplar, explodindo em frenesins de tambores e pratos com o melhor sentido de oportunidade. O baixo, no entanto, acompanha as guitarras passo a passo, raramente se individualizando, e deixando um pouco a desejar no que diz respeito aos caminhos que poderia seguir. As componentes electrónicas e sintetizadores raramente assumem a posição de protagonista, mas são quase sempre estrategicamente dispostos e disfrutam de uma boa congruência com a restante instrumentação. O conteúdo lírico do disco complementa bem o seu tom geral: "An Animal" assiste a gritos de "Coiled like a spring I'm ready to explode/Yeah I'm an animal that can´t be controlled", enquanto que "Everything All At Once" traz a impaciência de "I'm not waiting for a future that may never come", e "Far Away" o desespero de "We could just go/Far away/Out of sight". Os Blood Red Shoes sabem bem o que querem, e não estão dispostos a esperar para o ter.

   "Blood Red Shoes" não é intelectual, filosófico, profundo ou tecnicamente complexo. Mas é uma completa afirmação de energia, garra e vivacidade, levada a cabo por dois músicos com uma entrega louvável. O álbum pode não ser o mais competente de Carter e Ansell, mas deixa estabelecido que os Blood Red Shoes são um duo a ter em atenção no futuro. Há quem diga que o rock anda morto. Eu penso que não.

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