sábado, 18 de janeiro de 2014

Right Thoughts, Right Words, Right Action

Franz Ferdinand                                                                                      8/10
Domino Records, 2013




"Maturidade e jovialidade em uníssono"

   "Que músicos são estes que, com seus eléctricos riffs e joviais ânticos, nos cativam instantaneamente, quase que nos obrigando a dançar à sua batida?" - foi este o pensamento que me ocorreu, tal foi o efeito que me causou ouvir pela primeira vez uma música dos Franz Ferdinand. Assim foi com o seu excelente autointitulado début e o seu ainda melhor segundo disco, e assim permaneceu com o seu terceiro álbum, muito embora a queda para o experimental deste último tenha dado aso a alguns tropeções pelo caminho. Este é o grande trunfo dos Franz Ferdinand: mesmo nos momentos de maior atrapalhação, esta banda teve sempre a seu favor o facto de nunca poder ser realmente chamada de aborrecida, e se há algo que "Right Thoughts, Right Words, Right Action" vem a reiterar, é exactamente isso.

   Para ser franco, referir apenas o seu "não-aborrecimento" seria excessivamente redutor, pelo que peço permissão para refrasear: após quatro longos anos de inactividade criativa, os Franz Ferdinand retornam em grande, com um disco que certamente fará jus à espera imposta aos público. Numa decisão que decerto agradará aos fãs de "You Could Have It So Much Better", Alex Kapranos e Nick McCarthy fazem retornar as guitarras proeminentes que, embora dividam muito do espaço deste disco com os mais diversos sintetizadores, parecem ter encontrado a fórmula que melhor se adequa ao estilo da banda: concisão, simplicidade e eficácia. Esta receita vê-se lograda tanto nas faixas mais rápidas e incisivas, como "Bullet", "Love Illumination" e "Right Action", como nas mais contidas e experimentais "Brief Encounters" e "Treason! Animals." Quando não assume o protagonismo, é de louvar também o importante trabalho de base deste instrumento, desempenhando importantes papéis de ritmo e melodia sempre em conjugação com baixo, bateria e sintetizadores uníssonos ("Fresh Strawberries", "Stand on the Horizon").

   Uma das principais alterações trazidas a este disco, no entanto, reside no âmbito lírico. Os versos deste álbum fazem transparecer um grupo muito mais amadurecido que aquele que havia lançado "Tonight: Franz Ferdinand" quatro anos antes, o que, sendo expectável com o passar do tempo, não deixa de se revelar surpreendente nesta banda em particular. Os cânticos de paixão promíscua, sedução e flerte que abundavam nos primeiros três discos são aqui mais-que-pontualmente substituídos por eloquentes reflexões acerca da vida e da condição humana, abordando temas que vão desde o abandono e a separação ("Goodbye, Lovers & Friends") até à mais genuína atracção amorosa ("Stand on the Horizon").
   Em "Brief Encounters" e "Fresh Strawberries", com destaque para esta última, Kapranos reflecte sobre a insignificância da vida humana e o seu carácter passageiro. Partindo da intuição "We are fresh strawberries", o vocalista logo segue para um cenário que possui tanto de belo quanto de desolador: "We will soon be rotten/We will all be forgotten/Half-remembered rumours of the old". Em "Right Action", parece estabelecer-se um contraste entre a premissa central de "acção correcta" e a observação sarcástica de uma realidade em que tudo se quer e nada se faz: "Come home, practically all, is nearly forgiven"; "Almost everything could be forgotten". 
   "Treason! Animals.", porventura a melhor faixa deste álbum tanto lírica quanto melodicamente, pinta um quadro de profundo narcissismo e egocentrismo, com as suas declamações megalomaníacas de "I'm a king so give me a crown" e "Don´t you dare deny it". E embora possa parecer pouco explícita de início, esta metáfora da ilusão de se viver imerso em si próprio revela-se no intenso epílogo da música - "I'm in love with the narcissist/I know for the mirror told me"- culminando no inevitável desfecho - "Something has really really gone wrong".

   Para aqueles que, à minha semelhança, duvidaram das capacidades dos Franz Ferdinand após tantos anos afastados dos palcos, posso apenas dizer que este álbum saberá à agradável surpresa que a qualidade dos seus anteriores esforços nos sugerem. Algumas tentativas menos conseguidas, como o insoço "The Universe Expanded" e o não mais que mediano "Goodbye, Lovers & Friends", em nada reduzem o mérito deste trabalho, que tantos momentos prazerosos tem a oferecer. Saliento ainda a ligeira compressão que se verifica neste disco, que muitas vezes pede uma maior dinâmica sonora; mas até isso é compensado pela excelente execução instrumental e elevada musicalidade que os Franz Ferdinand oferecem neste seu quarto álbum de originais. A nova identidade lírica encontrada por esta banda, aliada à encantadora assinatura rítmica de sempre, sem dúvida eleva "Right Thoughts, Right Words, Right Action" à posição de um dos melhores discos do ano. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

MGMT

MGMT                                                                                               7/10
Columbia, 2013




"Estilo não substitui conteúdo"


   Que esperar de um disco dos MGMT? Desde que chamaram a atenção do público pela primeira vez, em 2008, a banda cujo núcleo criativo é composto por Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser tem tido muito que se lhe diga. Fazendo o seu début com "Oracular Spectacular", um álbum recheado de singles que nos trouxe verdadeiros hinos como "Kids", "Electric Feel" e "Time to Pretend", os MGMT têm-se desviado lentamente da sua tendência inicial de synthpop e rock electrónico, contribuindo para isso o EP experimental "Metanoia" e o brilhante segundo álbum "Congratulations". Ambos trazem-nos faixas mais longas, melodias elaboradas e muito fundadas no psicadélico e estruturas musicais complexas, bem como o uso intensivo de componentes electrónicas, deixando bastante claro para os seus fãs o rumo que o seu terceiro disco decerto tomaria.

   E no entanto, "MGMT" não deixa de parecer inesperado, atingindo-nos, logo ao primeiro contacto, de forma completamente diferente tanto de "Oracular Spectacular" como de "Congratulations". A primeira componente que nos chama a atenção é o seu som denso, pesado, construído através da colocação de camada sobre camada sobre camada de sintetizadores eclécticos, tambores ronronantes e a mais diversa variedade de sons-ambiente e elementos electrónicos que se propagam continuamente. E acaba por ser precisamente por esta razão que o álbum perde qualidade quando comparado com os dois anteriores. De facto, se há algo que se pode afirmar acerca deste disco é que poderia ser muito bom caso não soasse tão mal. A chamada "dynamic range compression" é aqui empregue de forma tão exagerada e abusiva que o álbum torna-se quase doloroso de se ouvir do início áo fim. Se "MGMT" não é melhor que nenhum dos seus antecessores, é porque a mistura aqui implementada contribui fatalmente para tal.

   Embora este aspecto faça com que o álbum seja de difícil apreciação, isto não invalida o facto de haver muito de bom a ser dito sobre "MGMT". A dinâmica do disco é impressionante: a forma como os MGMT vão de inocente alegria a desesperado terror no espaço de poucas faixas merece grande louvor.
  O início de Alien Days, primeira música do disco, traz à mente um amanhecer de primavera - o desabrochar das flores, o canto dos pássaros, os primeiros raios de sol passando por entre as folhas das árvores - criando uma atmosfera surpreendentemente agradável e acolhedora. Estados de espírito semelhantes podem ser encontrados nas alegres "Introspection" e "Plenty of Girls in the Sea", e até na saltitante "Your Life is a Lie", apesar do tema lírico tratado.
    Por outro lado, "Mystery Disease" traz à tona um lado manifestamente mais negro dos MGMT, em meio a versos como "limited sapience" e "perpetual unrest" e a uma regular mas potente batida que impele a música adiante. E "A Good Sadness", com sua introdução original e com um tom quase maléfico, mantém este "feel" negativo até ao final, marcada por uma pulsação electrónica estrategicamente posicionada e mais-do-que-alguma cobertura digital à mistura. Todas estas são grandes faixas que contribuem para a enorme musicalidade que, apesar de tudo, este álbum possui. 

   No entanto, esta abundância excessiva de efeitos artificiais é um dos recursos utilizados que acabam por tornar o álbum menos apelativo do que aquilo a que os MGMT já nos habituaram. A todo o momento somos bombardeados por uma infinidade de estímulos auditivos e modulações sonoras que acabam por distrair o ouvinte daquilo que realmente deve ser apreciado. E o que se diz dos instrumentos pode igualmente ser dito da voz de VanWyngarden que, após filtrada por centenas de ecos, reverberações e distorções, mal se percebe em meio a tanta confusão de sons. Isto é especialmente verdade para as faixas "Cool Song No. 2" e "I Love You Too, Death" que, apesar de terem melodias lindíssimas, acabam por perder-se nas suas divagações psicadélicas. "Astro-Mancy" e "An Orphan of Fortune" também prejudicam  este álbum, vagueando cegamente sem saber bem de onde vêm e para onde vão. 

   O retorno de Goldwasser e VanWyngarden não é, apesar de tudo, mal recebido. Ignorando os já referidos problemas de som, os MGMT trazem-nos um belo esforço que, com faixas de destaque como "Alien Days", "Mystery Disease", "Your Life is a Lie" e "A Good Sadness", promete agradar a muitos fãs da música alternativa. É certo que ainda há muitas melhorias a fazer, parecendo as músicas individualmente ainda bastante unidireccionais. Mas os MGMT conseguem ser bem-sucedidos nas suas imperfeições, permanecendo um dos grandes grupos da cena neo-psicadélica actual. 


domingo, 12 de janeiro de 2014

Modern Vampires of the City

Vampire Weekend                                                                                 5/10 
XL Recordings




"Quando a tentativa se esbarra no erro"



   Não me parece ter havido, em uma qualquer época da história da música, uma banda tão singular como são os Vampire Weekend. O modo como estes rapazes de Nova Iorque misturam as suas bases "indie" com influências como o ska, o afrobeat e até mesmo o pop tornaram-nos alvo de grande especulação, por parte da crítica, quanto àquilo que poderiam oferecer ao mundo da música, mesmo antes do seu auto-intitulado début ter chegado às lojas. O seu segundo disco, o eloquente "Contra", embora discutivelmente menos competente que o anterior, reduz a presença das guitarras e introduz mais componentes electrónicas, criando uma atmosfera completamente nova e deixando-nos na espectativa para o que o seu terceiro esforço nos poderia trazer.

   Assim, "Modern Vampires of the City" é um album que surge para dividir opiniões. Deixando para trás a grande parte das componentes que os prestigiaram em primeiro lugar, Ezra Koenig e companhia parecem focar-se, neste álbum, no lado mais "pop" do que têm a oferecer, com resultados variados que formam um conjunto, no geral, desnivelado. Os novos rumos tomados pelos Vampire Weekend revelam-se abaixo das espectativas formadas em torno dos mesmos, num álbum que, sem dúvida, deixa muito a desejar.

   Mentiria descaradamente, no entanto, se dissesse que nada se aproveita deste novo disco da banda. Pelo contrário: quando bem sucedidos, os Vampire Weekend mostram que estão longe do seu pior, trazendo-nos melodias encantadoras, ritmos contagiantes e uma entrega comovente. A primeira faixa, "Obvious Bycicle", é uma bela balada que reflecte exactamente isso, com a sua mistura interessante de batidas electrónicas e melodias vocais muitíssimo bem executadas. Apesar dos seus defeitos, o single "Diane Young" revela-se uma grande música, sendo talvez a mais "pesada" do grupo (isto é, se "pesada" é um termo que possa ser aplicado a uma banda como os Vampire Weekend). "Finger Back" é um esforço notável, desde a sua linha de percussão pouco ortodoxa até à guitarra acústica que utiliza e a sedutora ponte em vocais falados. E "Young Lion", muito embora passe a impressão de uma ideia inacompleta e acabe prematuramente, possui uma belíssima melodia de piano, lembrando outras da banda como a mais agitada "M79" e a igualmente emotiva "Taxi Cab".
   Finalmente, "Step" impõe-se como o inegável destaque do álbum. Com uma progressão de acordes algo familiar, que se repete continuamente até ao final da faixa, "Step" envolve-nos em vocais sussurrados, círculos de sintetizadores e uma letra que supera todo o repertório da banda (Os versos "Wisdom's a gift, but you'd trade it for youth/Age is an honor, it's still not the truth" estão sem dúvida entre os mais espectaculares que já ouvi).

   Infelizmente, como já referi, os defeitos que este álbum possui são muitos e demasiado flagrantes para serem compensados pelas suas qualidades. "Don't Lie" e "Everlasting Arms" incorrem na mediocridade: não sendo absolutamente terríveis, também não constituem nada de memorável, servindo mais como "fillers", condenados a aborrecer grande parte dos ouvintes. "Unbelievers" e "Hudson" são sem dúvida as piores faixas deste álbum, trazendo-nos pouco ou nada que valha a pena ouvir. "Worship You" procura trazer-nos a vivacidade que tanto cativou os fãs em músicas como "A-Punk" e "Cousins", acabando por perder-se em todo o seu ímpeto - seja pelos vocais de Koenig, que progridem muito rapidamente para que a mensagem seja devidamente apreciada, seja pela bateria galopante, que teima em fazer-se ouvir por toda a duração da música, muito embora já esteja saturada passados meros 30 segundos.
   E depois, temos "Ya Hey". E devo confessar que o primeiro sentimento que me ocorreu após ouvir esta música foi de uma profunda frustação. Isto por uma razão muito simples: "Ya Hey" tinha tudo para ser uma grande música, talvez das melhores de todo o percurso criativo dos Vampire Weekend, e não o foi. Nem o baixo proeminente, a letra inteligente, e as belas melodias dos vocais e sintetizadores foram suficientes para compensar a horrorosa modulação vocal implementada nesta faixa. E a palavra "horrorosa" é utilizada, neste caso, como um eufemismo. Os agonizantes gritos de "ya hey, ya hey" tornam a música numa experiência quase insuportável, arruinando completamente uma ideia bastante promissora. 

   Não há muito mais a dizer sobre o terceiro álbum de originais dos Vampire Weekend. Acrescentaria ainda a qualidade do conteúdo lírico que se pode encontrar espalhado por este disco, que vai desde intuições deprimentes ("You ought to spare your face the razor/ Because no one's gonna spare the time for you") até observações bem-humoradas ("You've got the luck of a Kennedy"). Mesmo assim, e sem desconsiderar as qualidades aqui presentes, as falhas do disco não têm mãos a medir. A bateria parece perdida, surgindo e desaparecendo em situações inoportunas. O baixo nunca se destaca, desvanecendo-se numa mistura pouco nivelada. A guitarra de Koenig, que antes desempenhava um papel pequeno mas decisivo, é aqui praticamente inexistente. E a produção, não sendo manifestamente má, não se revela bem sucedida em trazer à tona as componentes que tanto nos afeiçoaram a Koenig, Batmanglij, Tomson e Baio. A procura por novas sonoridades nunca deixa de ser louvável, mas a ambição dos Vampire Weekend acaba por cair face a um desempenho medíocre e, francamente, àquem das capacidades já demonstradas por esta banda.